Estrutura do maior Legislativo Municipal do Paraná consome recursos equivalentes ao de prefeituras da região metropolitana
Por Katia Brembatti / Repórter

Uma cidade cabe no prédio que ocupa menos de uma quadra da praça Eufrásio Correa, no centro da capital. É uma comparação para representar o que significa o orçamento da Câmara Municipal de Curitiba. Os R$ 125 milhões gastos anualmente pelo Legislativo local equivalem às despesas de algumas prefeituras da região metropolitana, como Rio Branco do Sul, Mandirituba, Quatro Barras e Campo Magro. São municípios entre 20 mil e 30 mil habitantes, que precisam dar conta de muitas demandas da população, como saúde e educação, pagando milhares de funcionários. Já a Câmara de Curitiba tem 38 vereadores e 500 servidores.

5 voltas ao mundo em carros não identificados: os gastos da Câmara de Curitiba

Orçamento da Câmara de Curitiba é de R$ 125 milhões ao ano. (Crédito: Rodrigo Fonseca/CMC)

Para entender como esse dinheiro é gasto e qual é a estrutura que os representantes eleitos têm à disposição, a equipe do RIC Investigação verificou o caminho do orçamento do Legislativo local. Algumas despesas chamam a atenção, como os R$ 130 mil desembolsados com combustível neste ano de pandemia, com restrições de eventos presenciais. E quem quiser saber onde os veículos da Câmara foram, vai ter dificuldades: os carros usados pelos vereadores não são identificadosnem há registros oficiais dos deslocamentos.

Carlos Strapazzon, professor de Direito da Universidade Positivo, destaca que o Legislativo é muito importante e deve ter recursos para desempenhar bem o seu trabalho.

“Poderia gastar até todo o orçamento, mas teria de ser eficiente, dar resultado”, comenta.

Ele exemplifica destacando que as Câmaras Municipais poderiam contratar auditorias ou mesmo ter mais funcionários qualificados para fazer avaliações minuciosas de diversos fatores da gestão da prefeitura, como questões urbanísticas, de qualidade de saúde e educação, e de transporte coletivo.

 

Para Sir Carvalho, presidente da organização Vigilantes da Gestão Pública, um dos principais aspectos a serem questionados nos gastos feitos pelos políticos é o pagamento de uma série de benesses e regalias com o dinheiro do povo. Ele também questiona a falta de mecanismos que permitam saber exatamente no que o recurso foi gasto e se foi uma situação de interesse da comunidade. Carvalho sita o exemplo do uso de carros oficiais, salientando que é necessário saber onde o combustível foi gasto, com quem e se o evento não era apenas de motivação político-eleitoreira, com o discurso de ouvir a população.

Como funciona o orçamento

No papel, a Câmara de Curitiba poderia gastar até mais do que os R$ 125 milhões anuais. Pela lei, poderia ser até R$ 215 milhões – uma fatia da receita da prefeitura. Ao longo do tempo, as sobras foram sendo guardadas em um fundo, que acabou sendo extinto em 2017 e os R$ 54 milhões ali depositados foram devolvidos. Desde então, a Câmara nem pega todo o valor disponível – já no início do ano sinaliza para a prefeitura e o dinheiro acaba sendo usado em outras demandas do município. Em 2021, foram R$ 70 milhões que nem chegaram a ser transferidos para a conta do Legislativo.

Mas ainda assim um grande volume de dinheiro é gasto para manter a estrutura da Câmara. A maior parte vai para os salários de funcionários e subsídios de vereadores (R$ 15 mil cada), representando quase R$ 7 de cada R$ 10 gastos. A folha de pagamento tem 500 empregados – o que se assemelha a uma grande indústria. Proporcionalmente, são 13 servidores para cada político eleito. Além de funcionários compartilhados, que desempenham atividades para a Casa toda, cada vereador tem direito a um gabinete com até sete assessores, ao custo mensal de R$ 63,5 mil.

No pacote de benefícios há ainda a oferta de veículos para uso em serviço. São Virtus brancos, da Volkswagen, sendo dois usados pela administração e os demais pelos vereadores. Aliás, 11 abriram mão do privilégio: Amália Tortato; Dalton Borba; Denian Couto; Indiara Barbosa; Marcelo Fachinello; Nori Seto; Pier Petruziello; Professor Euler; Serginho do Posto; Sidnei Toaldo e Tico Kuzma. A Câmara de Curitiba opta por locar os veículos, com a alegação de que é a opção mais econômica, uma vez que o contrato prevê manutenção veicular e carro reserva. De janeiro de 2020 até outubro deste ano, foram R$ 1,43 milhão com o aluguel. Com esse dinheiro daria para comprar 20 veículos do mesmo modelo. O Legislativo destaca que, originalmente, eram 50 carros e que a frota já foi reduzida e que as eventuais multas são pagas pelos infratores.

Outra despesa expressiva é para abastecer esses carros. Cada vereador tem direito a um cartão de crédito com limite de R$ 200 por mês. Ao longo dos primeiros oito meses de 2021 foram R$ 133 mil em combustíveis. Além do valor, chama a atenção o gasto volumoso realizado em um período em que a maioria das sessões legislativas foi realizada em modo virtual e quando eventos estavam restritos. O Legislativo ressalta que as atividades parlamentares não foram interrompidas durante a pandemia e que, apesar de as sessões serem remotas ou híbridas, as atividades dos vereadores no exercício de atendimento da população e fiscalização do Executivo não foram interrompidas.

Numa conta rápida, esse dinheiro seria suficiente para dar cinco voltas no planeta. Ou fazer 50 vezes a viagem entre o Oiapoque e o Chuí, os dois extremos de Norte a Sul do Brasil. A Câmara de Curitiba argumenta que está economizando com combustíveis e apresenta os gastos dos anos anteriores: R$ 212 mil em 2020 e R$ 325 mil em 2019, quando a frota era de 49 veículos.

Os carros usados pelo Legislativo municipal não são identificados (a exceção fica com os dois veículos usados pela administração, mas o adesivo é magnético e retirável). A vereadora Professora Josete (PT) apresentou um projeto de lei propondo que os carros oficiais tivessem algum tipo de identificação, mas a maioria dos vereadores votou contrário, alegando, entre outras motivos, que seria uma questão de proteção.

Para Sir Carvalho, da organização Vigilantes da Gestão Pública, a justificativa não seria plausível, uma vez que seria até mais seguro para o vereador estar num bairro, por exemplo, com um carro identificado.

“Isso é uma aberração. E eu tenho direito, como cidadão, como contribuinte, de saber exatamente onde está esse carro, se ele está numa boate, se ele está num motel. Se não é identificado, não tenho como controlar”, argumenta.

Carvalho afirma que a falta de identificação deixa margem para abusos e defende, inclusive que a frota tenha rastreador. E complementa que muitos órgãos públicos, como Conselhos Tutelares, sofrem com a falta de veículos.

Outras despesas

Os computadores da Câmara também são alugados, ao custo de R$ 756 mil ao ano. A Câmara argumenta que os gastos com manutenção e depreciação são representativos e que a locação acaba sendo um bom negócio. A dotação orçamentária com Correios é de R$ 1 milhão, mas o gasto por gabinete está bem menor, na faixa de R$ 3 mil ao ano. Ainda tem os R$ 156 mil mensais com terceirizados, que incluem os dois garçons responsáveis por servir os vereadores durante as sessões.

De cada três servidores, dois foram nomeados em cargos de confiança. O número desproporcional de comissionados contraria o entendimento do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), que estabelece o máximo de metade de funcionários de livre escolha. A Câmara tem avaliação jurídica diferente e afirma que age dentro da lei. Além disso, destaca que os salários pagos os comissionados são proporcionalmente menores do que o dos concursados e que, em 2013, extinguiu 259 cargos em comissão, reduzindo, em média, quatro colaboradores por gabinete.

O presidente da Câmara, Tico Kuzma (PROS), tem na ponta da língua uma série de ações que fizeram a gestão, ao longo dos últimos 10 anos, deixar de receber, economizar ou devolver ao município mais de meio bilhão de reais. Entre as despesas que afirma ter reduzido estão os gastos com diárias, que foram de R$ 28 mil em cinco anos. Também o subsídio dos vereadores, por decisão conjunta, está congelado em R$ 15 mil há oito anos, sem aumento real. Na Câmara de Curitiba, não existem benefícios adicionais por comparecimento em sessão extraordinária ou convocações, nem indenizações, cartões corporativos, verba de gabinete ou de ressarcimento de despesas (notas fiscais, depósitos, etc).

A mesa executiva da Câmara anunciou nesta terça-feira (17) a decisão de economizar R$ 20 milhões a mais do que o que já estava previsto em contenção de despesas para o ano. Segundo a assessoria de imprensa, essa negociação já vinha sendo travada há algum tempo, buscando cortar despesas. Assim, o orçamento de 2021 deve ficar em R$ 125 milhões, praticamente igual ao do ano passado.

Assista à reportagem no RIC Notícias:

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